O mito dos 7% | 38% | 55% na comunicação
Ernée Kozyreff Filho • 16/abr/2024
Ernée Kozyreff Filho • 16/abr/2024
Gráfico que supostamente divide a comunicação em três partes com pesos definidos.
É possível que você já tenha ouvido alguém falar que a comunicação oral pode ser dividida em três partes, com os seguintes pesos:
palavras: 7%
entonação da voz: 38%
linguagem corporal: 55%
Será? 🤔
Quando vi essa informação pela primeira vez, achei muito estranho. É difícil acreditar que as palavras são responsáveis por apenas 7% da comunicação e que os 93% restantes são elementos não verbais. Então decidi ir atrás da fonte original e escrever este texto para argumentar que, a meu ver, não é bem assim…
Sabemos que a comunicação oral não depende apenas de palavras. A gesticulação, a postura, a entonação e o volume da voz, entre outros fatores, contribuem muito para a construção da mensagem. No entanto, essa divisão em 7% | 38% | 55% me parece um tanto “mágica” e, ademais, um excelente clickbait, isto é, um título sensacionalista para atrair cliques.
E para tentar mostrar que essa divisão simplista não procede, trago três argumentos.
Argumento 1: se as palavras fossem responsáveis por apenas 7% da comunicação oral, não haveria tanta gente preocupada em estudar outros idiomas, já que todos nós poderíamos viajar tranquilamente para outros países, falar com as pessoas e entender 93% de tudo que elas nos dissessem. Mas quem já teve interação com estrangeiros em outra língua sabe que se comunicar não é uma tarefa fácil quando não conhecemos as palavras do idioma.
É claro que, não sabendo falar, partimos para mímicas (e, hoje em dia, para tradutores automáticos também). No entanto, fazer mímica não é a forma natural de nos comunicarmos, mas sim uma alternativa para momentos de necessidade. Na comunicação usual, as palavras são essenciais e, por vezes, o uso equivocado de uma única palavra pode mudar completamente a mensagem que se queria transmitir.
Argumento 2: a comunicação oral não é feita somente de palavras, tom de voz e linguagem corporal. Existe pelo menos mais um elemento crucial na comunicação: o contexto. E o que quero dizer com isso? Para ilustrar esse ponto, vou dar dois exemplos.
1. Uma criança fez um desenho muito bonito numa folha de papel e mostrou para a mãe, que falou em seguida: “Que bonito, hein!”. Uma outra criança, menos comportada, fez um desenho na parede da sala (ou em outro lugar inapropriado) e mostrou para a mãe, que diz, com a mesma entonação de voz e a mesma expressão facial: “Que bonito, hein!”.
No primeiro caso, há um elogio, enquanto no segundo, há uma ironia e uma leve bronca. As mensagens são opostas, apesar de tudo – menos o contexto – ser idêntico.
2. Você está numa loja de roupas procurando camisetas regatas para ir à praia. O vendedor traz algumas para você olhar, e você diz para ele: “Eu quero sem manga, por favor”. Na segunda situação, você está numa lanchonete e, com o mesmo tom de voz e mesma linguagem corporal, pede um suco de frutas amarelas com a seguinte observação: “Eu quero sem manga, por favor”.
Mais uma vez, tudo é igual, menos o contexto. E as mensagens transmitidas são bem diferentes.
Argumento 3: a ideia de que a comunicação oral tem essa divisão de 7%, 38% e 55% é baseada em dois artigos publicados nos anos 1960 pela mesma pessoa, o professor de psicologia Albert Mehrabian, junto com dois co-autores (um em cada artigo).
Os experimentos realizados por Mehrabian foram baseados na pronúncia de palavras “negativas”, “neutras” e “positivas”, usando tons de voz “negativos”, “neutros” e “positivos”, acompanhados de fotos de modelos fazendo expressões faciais “negativas”, “neutras” e “positivas”. As palavras estão entre aspas porque a definição do que é negativo, neutro e positivo nessas situações é subjetiva.
Além dos experimentos terem sido realizados com palavras isoladas (e não com frases inteiras, como é a comunicação usual no dia a dia), todos os voluntários envolvidos eram estudantes Universidade da Califórnia, nos EUA, do sexo feninino, que estavam cursando a disciplina Introdução à Psicologia, e cuja participação no estudo dava créditos na matéria. Ou seja, a amostra usada foi limitadíssima e muito particular.
Nos artigos mencionados (que podem ser baixados aqui e aqui), há a descrição de como o experimento foi realizado, seguida de uma análise estatística dos resultados. A parte em que aparecem os números 7%, 34% e 55% é um pouco obscura, pelo menos para mim. É uma frase no último parágrafo do segundo artigo, que faz referência ao primeiro artigo. A seguir está o recorte do texto, com a tradução em português logo abaixo.
O fato intrigante é que esses números não aparecem no primeiro estudo, apesar de haver essa referência explícita a ele. Assim, fica difícil entender de onde eles vêm e, pior ainda, tomá-los como verdade.
Antes de concluir, quero enfatizar que a comunicação é composta de diversos elementos, sendo a linguagem verbal e a linguagem não verbal complementares na transmissão de qualquer mensagem. Adicione-se a elas o contexto, e aí, sim, teremos, talvez, 100% da comunicação.
Muitas vezes somos levados a acreditar em fórmulas simplistas só porque algum “especialista” as disse. No mundo das redes sociais, muita informação é publicada apenas para chamar a atenção e gerar engajamento, sem compromisso com a verdade. Por isso, é importante questionar e verificar as fontes.
A ideia de escrever sobre este tema para desmistificar os detalhes dessa história que é, infelizmente, propagada sem a devida verificação, não é nova. Para quem quiser saber mais sobre ela, recomendo os dois artigos a seguir:
https://inbodylanguage.com/a-verdade-sobre-a-formula
https://ibralc.com.br/93-nao-verbal-comunicacao
Como conclusão, quero deixar a mensagem de que as palavras são importantes, muito mais do que esses 7% do estudo citado. Mas se não é esse número, qual é? A minha resposta é: não sei, e acho que não dá pra saber. A comunicação oral é uma composição de diversos fatores e não dá pra separar as palavras do resto.
Aliás, eu arrisco dizer que, no fundo, tudo que nós recebemos é, de alguma forma, transformado em palavras pelo nosso cérebro. E nesse caso, mesmo que não sejam ditas, as palavras acabam sendo a forma mais eficiente de que dispomos para interpretar uma mensagem. O saudoso Professor Pier, em uma de suas palestras, disse uma frase que me fez e faz pensar muito: “O ser humano não fala porque pensa. Ele pensa porque fala”. Intrigante! Mas isso é assunto para outro artigo. 😉